quinta-feira, 3 de abril de 2014

PACHECO PEREIRA QUER O RECONHECIMENTO DO SERVIÇO DE "TAMPÃO, ENTRE OS PROLETÁRIOS E OS MILIONÁRIOS"!




Pacheco Pereira com o seu artigo "o país que vivia vida de rico", no Público do dia 29 de Março, reafirma a sua oposição à austeridade e às reformas do Estado; continua a mistificar a realidade portuguesa, confundindo reformados e pensionistas e trabalhadores do sector público e privado, omitindo a percentagem dos que tem sido abrangidos pelos cortes; retoma o idealismo, ao sustentar que o país só sairá da crise, na base do restauro das benesses da classe média e, finalmente, reivindica o "pagamento" do serviço feito pela classe média, ao ter andado a servir de "tampão entre os proletários e os milionários" partindo de um equívoco sobre Bismarck e o seu tempo.

Desde que se tornou público, que a Troika só aprovará a última avaliação se, e quando, o governo definir e decidir os cortes permanentes nos funcionários públicos e pensionistas (que não devia constituir novidade para as pessoas minimamente informadas), que a "tropa de choque" dos interesses instalados não para de atacar o Governo, a Troika, os Alemães e, particularmente, a Chanceler Merkel. Todos os pretextos servem, em especial a publicação de estatísticas ou relatórios internacionais, que aproveitam apenas para salientar o que aparentemente favorece as suas teses.

Apesar de ser o FMI, a principal autoridade responsável na Troika, o relatório que publicou recentemente e onde se afirma que as medidas tomadas pelo governo diminuíram as desigualdades, logo tentaram contrapor um relatório da OCDE, publicado no início de 2012, ou seja, com dados até 2011, quando só depois começou a ser aplicado o Memorando. Porquê estas atitudes? Porque, sendo os sectores que capturam o Estado, os principais abrangidos pelos cortes (o que os revolta), não o querem assumir, explicitamente, para poderem afirmar que as medidas são contra todo o povo, na esperança de o trazerem para seu lado, isto é, procurarem "carne p`ra canhão" para a defesa das classes médias.

É neste contexto, que o papel de Pacheco Pereira tem sido relevante. como um dos principais porta voz dos interesses e poder das classes médias, como referi em anterior artigo "Será a Democracia Actual Compatível Com O Poder Das Classes Médias?", para o qual remeto os eventuais leitores, até pelo facto de ele assumir posições, que lhe atribuí nesse artigo, que tanto quanto julgo saber, nenhum  ex ml assumiu explicitamente.

Partindo de um debate "corporativo" de Victor Bento (é interessante que PP só refira os economistas como corporativos e não os professores de outras áreas do conhecimento), em que aquele afirmou que "o país empobreceu menos do que parece. O país já era pobre, vivia era vida de rico", Pacheco Pereira procura por todos os meios e argumentos, demonstrar que não se viveu acima das possibilidades, o que não vou discutir agora, até porque aceito os estudos de Paulo Morais, que afirma, que 15% da dívida privada é derivada da "vida de rico". O que pretendo analisar, são as afirmações contidas no artigo, onde analisa, o que não pode ser considerado "vida de Rico", que passo a citar:

"Ou seja, fazer parte da primeira geração em Portugal que já não tem memória directa da enorme pobreza rural que seus pais e avós ainda conheceram, que beneficiou do elevador social que foi a educação e o Estado (sim o Estado que, em todos os países democráticos, tem essa função de criar uma classe média...nem que seja para servir de tampão entre os proletários e os milionários. Perguntem ao Bismarck.) e que representa ...a única, débil e, pelos vistos, precária modernização de Portugal." Para que não houvesse dúvidas, sociológicas, acerca desta "primeira geração", Pacheco Pereira afirma tratar-se da "pequena burguesia europeia, a chamada classe média baixa".

A parte que sublinhei, da citação do artigo do Pacheco Pereira, constitui o mais claro reconhecimento de que, ele e outros pequenos burgueses, andaram a servir-se da classe operária e de outros trabalhadores, traindo e sabotando as suas lutas e emancipação, para poderem concretizar os seus desejos de promoção social, auto promovendo-se a uma pretensa elite de esquerda e progressista, para servir da "tampão" entre "os proletários e os milionários". Representa tal afirmação algo de novo na História do movimento operário? Não! O que é relevante, é ter sido feita por um ex dirigente de uma organização comunista e de se ter transformado num dos intelectuais mais respeitados, particularmente, no campo da Historia do movimento operário, do comunismo e de Álvaro Cunhal. Aliás, eu tinha escrito no meu artigo "Será a Democracia Actual..." que as classes médias "ficaram sem programa susceptível de continuar a ser os intermediários, entre o capital e o trabalho".

Apetece dizer, que Álvaro Cunhal se vingou. PP estudou tanto a obra de Cunhal, que acabou por reconhecer, que a tese sobre " O Radicalismo Pequeno Burguês de Fachada Socialista" era objectiva e se aplicava a si próprio! O facto do proletariado ter perdido o seu "papel histórico", ou o protagonismo que tinha (derivado de ser a classe social mais numerosa e as funções de domínio nas fábricas, lhe dava) e o socialismo ter sido derrotado, não retira relevância às afirmações de Pacheco Pereira. Uma das principais razões porque a desigualdade económica e social, dentro do mundo do trabalho, é tão grande em Portugal, deve-se à sabotagem da criação de sindicatos operários, para o qual contribuíram decisivamente os "dirigentes pequenos burgueses", que controlavam todas as organizações, à "esquerda" do PCP.

Bom, dirão, isto são "hestórias" que já não interessa a ninguém, não é verdade. A luta que as chamadas classes médias,  travam hoje em Portugal, é a continuação da tentativa de servir de tampão, entre o capital e o trabalho. Todavia, Pacheco Pereira está equivocado. Bismarck, ao criar o que se poderá chamar, como alicerces da assistência social, tinha  "razão" para o fazer. Nesse período Histórico, a Social Democracia era muita atractiva para os operários e, por isso, Bismarck para impedir ou desviar a sua adesão, deu algumas garantias sociais. Essa atracção hoje já não existe.Após a vitória da Revolução Bolchevique, o capital organizou e fomentou, todo o tipo de organizações  "revolucionárias" e "comunistas", compostas por estudantes, intelectuais e pequeno burgueses, para se constituírem como alternativa aos partidos comunistas, então existentes, e sabotar a sua luta.

Depois da segunda guerra, até à queda do "Muro de Berlim", vários países europeus encetaram grandes reformas sociais e laborais, que permitiram construir o Estado Social, no qual os partidos sociais democratas tiveram um papel relevante. Em síntese, o capital permitiu, ou fomentou, o florescimento do que hoje se chama as classes médias e a sua participação no poder, para fazerem de "tampão" ao proletariado e a uma eventual revolução. Pois...mas com a derrota do socialismo e o fim do "papão" do comunismo, o capital financeiro ficou livre de investir em qualquer lado sem receio, o neoliberalismo passou a dominar o mundo através da globalização, deixou de precisar de "tampões" entre o capital e o trabalho e tudo tem feito para proletarizar as chamadas classes médias!

Não tenho qualquer dúvida, de que também Pacheco Pereira analisa e interpreta o mundo actual como acabei de expor. Todavia, como se sente atingido nos seus interesses e "estatuto", tem lutado de forma obstinada contra as reformas do Estado, contra os cortes nos vencimentos e pensões. O seu desespero é tanto, que o leva a subscrever um Manifesto com pessoas da extrema "esquerda" à extrema direita, que não tendo conseguido sair do Euro (para fazer pagar "os de baixo" com inflação e desvalorização da moeda), querem renegociar a dívida, protelando o seu pagamento para os nossos netos, na vã esperança que os credores possam perdoar uma parte substancial, ou o BCE aprove a mutualização das dívidas soberanas.

Eu até "compreendo" que as chamadas classes médias queiram continuar a ter o "elevador social da educação e do Estado". O que não aceito, politicamente, é que seja mantido à custa do mundo do trabalho manual e mal remunerado. Apetece dizer, já que tem vivido muito bem a servir de tampão, é tempo de experimentar a proletarização! "Uma classe média que puxe para cima", já nos levou à banca rota, além das desigualdades sociais que criou e, por isso, não pode ser solução!